Baquelite queimado – Micro conto
Written By: Roberto
-
set•
12•11

CHEIRO DE BAQUELITE QUEIMADO
Assim que o galo cantava pela primeira vez, seu Jaime se levantava. Botava água na chaleira para passar o café. Acendia o rádio de válvulas e sintonizava no programa de moda de viola. Só então, limpava as gaiolas e tratava de seus canários. Reinava esta rotina há mais de vinte anos. Até que certa manhã de inverno, igual a tantas outras, a vida do velho sertanejo enveredou-se num rumo sem volta. Naquelas paragens agrestes, a noite caiu suave e gélida. Seu Jaime permaneceu o dia todo estancado embaixo do batente da porta de entrada de seu casebre; os olhos fixos no horizonte. Sob os pios do coro dos pássaros agitados que se misturavam à abertura solene de o Guarani – na Voz do Brasil-, a lua cheia mirava um homem mergulhado no outono de sua vida, refém de um surto de Alzheimer. Enquanto isso, a fumaça emanada pelo cabo da panela queimado empestava o ar e defumava aquele cenário inesquecível.
You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0 feed.
You can leave a response, or trackback from your own site.
Deixe uma resposta para Lucia
Adorei, rico em detalhes, me lembrou Cem anos de solidão, ( o declínio inexoravel da vida humana)